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domingo, 23 de janeiro de 2011

Cultura: é sempre bom conhecer outras

Confesso que sou um fã incondicional de Jesus Cristo, não só porque ele foi o maior orador de todos os tempos, mas principalmente porque conseguiu realizar o maior desejo de todos os seres humanos: o de tornar-se imortal. Muitos, antes e depois dele, também conseguiram essa proeza, mas ninguém o fez com tanta força, por tanto tempo. Muitos revolucionaram a história da humanidade, mas ninguém a ponto de tornar-se um marco nessa história. A ponto dessa história ser contada ANTES DELE e DEPOIS DELE.
Mas apesar de eu pagar tanto pau para o cara, fiquei feliz em descobrir no final de semana passado que Ele não é o único que morreu de forma tão cruel e é louvado até hoje por isso. A Hussain aconteceu o mesmo. Ele é cultuado pelos xiitas, que são acusados de serem a vertente mais radical do islamismo. Infelizmente após os atentados de 11 de setembro, ficamos com uma visão totalmente deturpada do Islamismo – graças à mídia maniqueísta controlada pelos poderosos – e tendemos a associar os xiitas com assassinos sanguinários. Espero que esse texto retirado das páginas 146, 147, 148, 149 e 150 do livro MASSA E PODER, de Elias Canetti, editora Companhia das Letras, seja tão esclarecedor para vocês quanto foi para mim. Vamos saber agora porque os xiitas são radicais.

“A partir de uma cisão no islamismo, que ostenta traços inequívocos de uma religião de guerra, nasceu uma religião de lamentação possuidora de um grau de concentração e extremismo não encontrável em parte alguma: a fé dos xiitas. Trata-se da religião oficial do Irã e do Iêmen, bastante disseminada também na Índia e no Iraque.
“Os xiitas acreditam num líder espiritual e temporal de sua comunidade ao qual dão o nome de imã. Sua posição é mais importante do que a do papa. Ele é o portador da luz divina e é também infalível. Somente o fiel que segue seu imã pode ser salvo. 'Aquele que morre sem conhecer o verdadeiro imã do seu tempo, morre como um infiel.'
“O imã descende diretamente do profeta. Ali, o genro de Maomé – casado com a filha deste último, Fátima – é considerado o primeiro imã. O profeta confiou a Ali conhecimentos especiais não revelados a seus outros seguidores e tais conhecimentos são transmitidos hereditariamente em sua família. Maomé nomeou-o expressamente seu sucessor nos ensinamentos e no comando. Ali é o eleito por disposição do profeta: somente a ele cabe o título de 'soberano dos verdadeiros fiéis'. Os filhos de Ali, Hassan e Hussain, herdaram-lhe, então, o ofício: eram os netos do profeta. Hassan foi o segundo e Hussain o terceiro imã. Qualquer outro que se arrogasse alguma soberania sobre os fiéis era um usurpador.
“A história política do islamismo após a morte de Maomé incentivou a construção de uma lenda em torno de Ali e de seus filhos. Ali não foi eleito califa de imediato. Nos primeiros 24 anos que se seguiram à morte de Maomé, esse cargo supremo foi ocupado sucessivamente por três de seus companheiros de luta. Somente depois de morto o terceiro é que Ali chegou ao poder, mas governou apenas por pouco tempo. Numa sexta-feira, durante o serviço religioso na grande mesquita de Kufa, foi assassinado com uma espada envenenada por um opositor fanático. Seu filho mais velho, Hassan, vendeu seus direitos por uma soma de vários milhões de diréns e retirou-se para Medina, onde, passados alguns anos, morreu em conseqüência de uma vida extravagante.
“Os sofrimentos de seu irmão mais novo, Hussain, tornaram-se o verdadeiro cerne da fé dos xiitas. Comportado e sério, ele era o oposto de Hassan, e vivia uma vida calma em Medina. Embora, com a morte do irmão, ele houvesse se tornado chefe do xiismo, por um longo tempo Hussain não se deixou envolver em intrigas políticas. Quando, porém, o califa regente morreu em Damasco, e o filho deste pretendeu assumir-lhe a sucessão, Hussain negou-lhe o seu respeito. Os habitantes da turbulenta cidade de Kufa, no Iraque, escreveram então a Hussain, convidando-o a visitá-los. Queriam-no como califa; uma vez lá, tudo lhe seria concedido. Hussain pôs-se a caminho, levando consigo a família, as mulheres, as crianças e um pequeno grupo de seguidores. Tinha a frente um longo caminho pelo deserto. Tendo alcançado as proximidades da cidade, esta já o havia abandonado. Seu governante enviou-lhe ao encontro uma vigorosa tropa de cavaleiros, que o intimaram a entregar-se. Hussain negou-se a fazê-lo, e cortaram-lhe o acesso a água. Ele e seu pequeno grupo foram cercados. Na planície de Kerbela, no décimo dia do mês de muharram do ano de 680, segundo o nosso calendário, Hussain e os seus, que valentemente se defenderam, foram atacados e derrotados. Com eles tombaram 87 pessoas, dentre estas um grande número de seus familiares e dos de seu irmão. Seu cadáver ostentava a marca de 33 estocadas de lança e 34 golpes de espada. O comandante das tropas inimigas ordenou a sua gente que cavalgasse sobre o corpo de Hussain. No chão, o neto do profeta foi pisoteado pelos cascos dos cavalos. Sua cabeça foi cortada e enviada para o califa em Damasco, que a golpeou na boca com seu bastão. Presente, um velho companheiro de Maomé advertiu-o: 'Guarda teu bastão. Vi a boca do profeta beijar esta boca'.
“As 'provações da estirpe do profeta' compõem o verdadeiro tema da literatura religiosa xiita. 'Reconhecem-se os verdadeiros membros desse grupo por seus corpos emagrecidos pelas privações, pelos lábios ressequidos pela sede e os olhos molhados pelo choro incansável. O verdadeiro xiita é perseguido e infeliz feito a família por cujo direito luta e sofre. Considera-se quase o ofício da família do profeta sofrer opressão e perseguição.'
“Desde aquele dia fatídico em Kerbela, a história dessa estirpe compõe-se de uma seqüência ininterrupta de sofrimentos e opressões. O seu relato em poesia e em prosa é cultivado em uma rica literatura de martirológios. Tais sofrimentos e opressões compõem o objeto das reuniões dos xiitas no primeiro terço do mês de muharram, cujo décimo dia – ashura – é tido como aquele no qual ocorreu a tragédia de Kerbela. 'Nossos dias comemorativos são nossas assembléias fúnebres', assim conclui um príncipe de orientação xiita um poema no qual homenageia as muitas provações por que passou a família do profeta. O que verdadeiramente importa aos fiéis genuínos é chorar, lamentar e enlutar-se pelos seus infortúnios e perseguições sofridos pela família de Ali e por seu martírio. 'Mais comovente do que lágrimas xiitas' diz um provérbio árabe. 'Chorar por Hussain', afirma um indiano moderno que professa essa fé, 'é o preço de nossa vida e de nossa alma; do contrário, seríamos as mais ingratas das criaturas. Até no paraíso choraremos por Hussain […] O luto por ele é a marca distintiva do islamismo. Para um xiita, é impossível não chorar. Seu coração é uma tumba viva, a verdadeira tumba para a cabeça do mártir decapitado.
“Emocionalmente, a contemplação da pessoa e do destino de Hussain encontra-se no centro dessa fé. São a principal fonte da qual brota a experiência religiosa. Sua morte foi interpretada como um auto-sacrifício voluntário; graças a seu sofrimento, os santos alcançaram o paraíso. A idéia de um intermediário é originalmente estranha ao islamismo. No xiismo, desde a morte de Hussain, ela se tornou predominante.
“O túmulo de Hussain, na planície de Kerbela, rapidamente tornou-se o mais importante local de peregrinação dos xiitas. Quatro mil anjos, chorando dia e noite por ele, circundam-lhe a tumba. Eles vão até a fronteira, ao encontro de cada peregrino, venha este de onde vier. Quem visita esse santuário obtém, em razão desse seu ato, as seguintes vantagens: o teto de sua casa jamais desabará sobre ele; jamais morrerá afogado ou queimado; animais selvagens jamais o atacarão. Aquele, porém, que ali ora com genuína fé é premiado ainda com anos adicionais de vida. Seu mérito corresponde ao de mil peregrinações a Meca, mil martírios, mil dias de jejum e mil libertações de escravos. No ano seguinte ao dessa sua visita, diabos e espíritos malignos nada poderão fazer contra ele. Caso morra, será enterrado por anjos e, no dia da ressurreição, levantar-se-á da tumba juntamente com os seguidores do imã Hussain, a quem reconhecerá pela bandeira que este carrega na mão. Em triunfo, o imã conduzirá seus peregrinos diretamente ao paraíso.
“Uma outra tradição afirma que, por mais que tenham pecado, todos os que foram sepultados no santuário de um imã não serão julgados no dia da ressurreição, mas lançados como que por um lençol diretamente no paraíso, onde os anjos, felicitando-os, apertar-lhes-ão a mão.
“Assim, antigos xiitas deitavam-se em Kerbela para morrer. Outros, que haviam sempre morado a uma grande distância da cidade sagrada, deixavam a determinação para que fossem enterrados ali. Há séculos, intermináveis caravanas de mortos vêm da Pérsia e da Índia para Kerbela; a cidade transformou-se num único e gigantesco cemitério.
“A grande festa dos xiitas, onde quer que vivam, acontece nos dias do mês de muharram nos quais Hussain sofreu sua paixão. Durante esses dez dias, toda a nação persa põe-se de luto. O rei, os ministros, os funcionários vestem-se de preto ou cinza. Arrieiros e soldados caminham com a camisa solta e aberta no peito, um grande sinal de pesar. No primeiro dia de muharram, que marca também o início do ano novo, a festa tem início. Do alto de púlpitos de madeira, a paixão de Hussain é narrada. Descrevem-se todos os seus detalhes; nenhum episódio é esquecido. Os ouvintes ficam profundamente comovidos. Seus gritos – 'Ó, Hussain! Ó Hussain' – fazem-se acompanhar de gemidos e lágrimas. Esse tipo de recitação prolonga-se por todo o dia; os pregadores revezam-se em diversos púlpitos. Durante os primeiros nove dias de muharram, grupos de homens atravessam as ruas com o peito nu e pintado de vermelho ou preto. Arrancam-se os cabelos, infligem-se ferimentos de espada, arrastam pesadas correntes consigo ou apresentam danças selvagens. Lutas sangrentas chegam a ocorrer com pessoas de outras crenças.
“A comemoração atinge o seu ápice no dia 10 de muharram, quando se realiza uma grande procissão, que, originalmente, representava o cortejo fúnebre de Hussain. Em seu centro, encontra-se o esquife de Hussain, carregado por oito homens. Cerca de sessenta outros homens, lambuzados de sangue, marcham atrás do esquife, cantando uma canção marcial. Um cavalo os segue – o corcel de guerra de Hussain. Ao final, encontra-se mais um grupo de uns cinqüenta homens, talvez, os quais batem ritmicamente um contra o outro dois bastões de madeira. O delírio que, nessas festas, se apossa da massa lamentosa é quase inimaginável.
“Os teatros foram doados por pessoas ricas; os gastos com eles eram considerados obra meritória, mediante a qual o doador 'construía para si um palácio no paraíso'. Os maiores abrigavam de 2 mil a 3 mil pessoas. Em Isfahan, encenavam-se espetáculos para mais de 20 mil espectadores. O ingresso era gratuito; todos podiam entrar, desde o mendigo em farrapos até o mais rico senhor. As apresentações tinham início às cinco horas da manhã. Antes da paixão, procissões, danças, sermões e canções ocupavam várias horas. Distribuíam-se refrescos, e os senhores abastados e respeitados consideravam uma questão de honra servir pessoalmente até mesmo os espectadores mais esfarrapados”.

Bem... creio que foi possível aprender e apreender algumas características dessa cultura. Para quem quiser saber mais, não só sobre isso, recomendo a leitura do livro. É uma obra completa. Por fim, podemos concluir o que já sabíamos: os xiitas são mesmo radicais!

Um comentário:

  1. Os Xiitas são realmente raidicais!
    Mas tem os sunitas, que seguem as sunas. Esses seguem as palavras que vem diretamente do profeta, ao contrário dos xiitas, que seguem as palavras do descendente direto do profeta Mohamad(Maomé).
    Interessante o texto.

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